quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Reflexões da vida moderna em Black Mirror

A tecnologia transformou todos os aspectos de nossa vida: em todas as casas, em todos os escritórios e nas mãos de todas as pessoas há uma tela de plasma, um monitor, um smartphone – um espelho negro refletindo a nossa existência no século 21. Em mais um post do blog, trouxe o suspense e genialidade da série Black Mirror. Mas afinal, o que é essa série? Ficção científica? Drama? Humor negro? É bem difícil categorizar. Criada e escrita por Charlie Brooker, originalmente era exibida pelo Channel 4, mas foi comprada pela Netflix.



Cada episódio traz uma história e um elenco diferente, mas todas ambientadas num futuro onde a tecnologia é completamente integrada com a sociedade. Falar sobre Black Mirror é falar sobre como a sociedade se tornou escrava da tecnologia. Cada episódio aborda um aspecto diferente desse vício, e a forma como todas as interações, reações e atitudes se adaptaram à era digital, levada ao extremo na série mas ainda perfeitamente crível.

Quero falar de quatro episódios que eu gostei muito:

S01E01 – The National Anthem (O Hino Nacional)

Começamos com o Primeiro Ministro Inglês, Michael Callow, acordando no meio da madrugada com uma ligação dizendo que a Princesa Susannah havia sido sequestrada e que um vídeo fora divulgado com as exigências feitas pelo sequestrador. O problema é que o vídeo havia sido postado na internet, e a exigência para que Susannah fosse solta não era nem um pouco convencional.

A crítica presente nesse episódio é bem forte, falando sobre o fascínio humano com o sofrimento alheio. Vemos cenas de uma equipe de um hospital que passou o dia inteiro sem trabalhar acompanhando o caso, assim como pessoas em bares bebendo e se divertindo enquanto esperavam para assistir o Primeiro Ministro realizando um ato grotesco. Ao mesmo tempo que as emissoras advertiam às pessoas que não assistissem a transmissão, seus repórteres usam de todos os meios possíveis para descobrir novidades sobre o caso, inclusive arriscando suas vidas. No começo a opinião pública era contrária à execução da exigência do sequestrador, mas com o desenrolar dos fatos mudam totalmente de opinião, chegando a ameaçar o Primeiro Ministro caso ele não fizesse o necessário para salvar a vida da Princesa.

Cena do episódio

O final do episódio me deixou muito mal, pois mostra como a opinião e a pressão pública pode destruir a vida de uma pessoa. Quando seu próprio partido disse que não ofereceria mais apoio e nem segurança, eu senti o desespero de Michael Callow que, além de ser Primeiro Ministro da Inglaterra, também era um ser humano. Depois de se sacrificar para salvar a princesa, sua existência se resumiu a uma farsa sustentada apenas por motivos políticos, apenas para agradar os eleitores. PESADO.

S01E02 – Fifteen Million Merits (Quinze Milhões de Méritos)

Vivemos dentro de caixas individuais, com telas gigantes que mostram nossos reality shows e programas favoritos. Acordamos, nos arrumamos e vamos para nossos trabalhos maçantes, onde realizamos atividades repetitivas e sem fundamento em troca de dinheiro para gastarmos com alimentação e diversão. Eu poderia estar descrevendo a vida de milhões de pessoas, mas na verdade é o panorama do episódio.

Acompanhamos a vida de Bing, preso em sua rotina diária e tentando descobrir algo novo que o tire desse torpor. Todos os dias ele acorda e vai para seu trabalho que consiste em pedalar incessantemente em troca de “méritos”, que são uma espécie de sistema de pontos que servem para comprar comida, realizar atividades básicas, assistir programas, comprar roupas e objetos para seus avatares virtuais e assistir pornografia (que é algo importante e corriqueiro para eles).

Cena do episódio

Apesar de demorar pra engrenar, o episódio é uma metáfora muito interessante da nossa realidade. Vivemos presos na mesma rotina e reclamamos o tempo inteiro, mas raramente fazemos nenhum tipo de esforço para mudar isso. As poucas pessoas que se importam o suficiente para falar ou fazer algo são aplaudidas por nós, mas logo depois são silenciadas e a importância de seu discurso e ideal minimizada. Reclamamos de tudo mas nos contentamos com pouco. E a ideia de que cada um tem seu preço, evidenciada pela série, é tão real que chega a ser assustadora.

S03E01 -  Nosedive (O Perdedor)

A sociedade gira em torno de um aplicativo semelhante ao Facebook, onde cada indivíduo avalia os outros e é avaliado instantaneamente, recebendo notas de 1 a 5. De acordo com esse status, as pessoas são qualificadas, conseguem descontos, acesso a determinados lugares, podem ocupar uma boa posição social e etc. Lacie, interpretada pela linda Bryce Dallas Howard, divide um apartamento com o irmão, mas almeja se mudar para uma casa melhor. Possui pontuação 4,2, e para conseguir a casa, terá que subir rapidamente a 4,7. Para escalar a montanha da popularidade em menor tempo, Lacie terá que receber avaliações positivas de pessoas de alto nível, aí entra Naomie (interpretada por Alice Eve), uma amiga de infância de Lacie que está prestes a se casar. Lacie resolve se aproximar de Naomie para usá-la como trampolim e alavancar seu status.

Cena do episódio

O episódio mostra uma sátira genial à sociedade atual, é um exame minucioso de como as pessoas se comportam nas redes sociais, e obviamente, tudo nesse episódio, é elevado à décima potência com o intuito de nos chocar. O nosso comportamento é de fato deturpado e superficial em todas as redes sociais que usamos, ninguém é 100% verdadeiro, está 100% feliz e as fotos que postamos não refletem a nossa real situação, tampouco as mensagens e ideias copiadas e coladas em Facebook e Whatsapp, passam pelas cabeças de muitas pessoas. Simplesmente damos aprovação nas redes sociais, esperando receber a aprovação de volta na forma de curtidas e risadinhas digitadas.  Agora imagine um mundo movido por toda essa hipocrisia velada… Pois nesse mundo ficcional, as opiniões das outras pessoas a seu respeito, é que irão determinar se você é bem sucedido e feliz ou se é um fracassado, um pária da sociedade.

S04E01 -  USS Callister

Esse episódio foi sem dúvida o que mais me chamou a atenção. USS Callister se propõem a ser uma paródia de Star Treak, mas no final se torna uma pesada crítica de como descontamos no mundo virtual as nossas frustrações, e ainda faz importantes observações sobre um purismo ideológico de uma geração que acredita ser dono de tudo aquilo que gostam. Para nos mostrar isso, acompanhamos a vida de Robert Daly (Jesse Plemons), um programador excelente que acredita não ter o seu devido reconhecimento e acaba usando uma tecnologia criada por ele para descontar suas decepções. Os questionamentos sobre miscigenação, abuso e assedio, são feitos em um tom mais ameno com algumas boas piadas. Mas esse é um daqueles episódios que mostra como determinados comportamentos podem ser nocivos independente da tecnologia, se tornado ainda mais cruel e perigoso com o avanço dela.

Cena do episódio

Enfim, Black Mirror é uma série fascinante que deixa em evidencia o lado podre do ser humano e a forma como a tecnologia ajuda a aflorá-lo. Seu nome se dá devido ao fato de que as telas dos aparelhos eletrônicos quando desligadas se tornam um espelho negro. E é nesse espelho distorcido que Charlie Brooker nos mostra essa não tão distante realidade. Série excelente que rende uma ótima reflexão sobre nossos hábitos online. 

Um comentário: